terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Entrevista ! (2ª Edição)

Essa é com Mr. Keith Moon

Rolling Stone - 21/12/1972

Keith Moon contra-ataca

Uma entrevista de multidecibéis com o selvagem do Who
por Jerry Hopkins
tradução por Vinícius Mattoso
É PROVAVELMENTE CONVENIENTE QUE KEITH Moon toque o instrumento mais agressivo, a bateria, num dos grupos mais explosivos, o Who, pois Moon parece visivelmente mais ultrajante e violento do que a maioria de seus contemporâneos. Em seu rastro por um período de dez anos, mais de um terço de sua vida, ele deixou uma trilha de garrafas vazias de Courvoisier, kits de bateria desmembrados, automóveis arruinados e quartos de hotel destruídos, pontuando cada incidente com um uivo de completo prazer e alegria.
Existem incontáveis "Histórias de Keith Moon" circulando por aí, e Keith relembra várias delas nesta entrevista. Infelizmente, muito se perde ao transpormos Moon para o papel. Seus gestos enérgicos em torno da sala, suas várias imitações vocais e sotaques, a agitação, o rosto faltando um dente, a cantoria e as danças, os contagiantes ataques de riso, tudo tem de ser experimentado. Assim como sua moderna casa de 150,000 dólares situada no terreno de um antigo mosteiro a uma hora de Londres, em seu verde e valorizado cinturão suburbano. As paredes do bar foram pintadas com um tema de heróis e vilões da Marvel Comics, e o teto, suspenso como a tenda de um sultão.
A sala é um grandioso e ricamente estofado "poço de bate-papo", com uma televisão em cores e uma lareira impecavelmente limpa que nunca foi usada. Quase não há móveis na casa. Mas vemos um albatroz empalhado, um tapete de urso polar, diversos rifles, um velho jukebox e um sistema de som capaz de mandar música em multidecibéis para distâncias que vão muito além de sua propriedade de sete acres.
De fora, sua casa se parece uma coleção de pirâmides alinhadas, pintadas num branco reluzente. De um lado está uma árvore tão larga que teve de ser baixada por dois helicópteros. Do outro, operários atualmente escavam uma piscina que será azulejada com mármore e oferecerá ao mergulhador ocasional as últimas melodias de sucesso. Quando eu cheguei a governanta da casa, sogra de Moon, estava na Espanha a passeio.
Seu cabeludo mecânico e motorista, Dougal, estava trabalhando no motor de um Chrysler 1936, estacionado entre o Jaguar XKE e a Ferrari Dino. Sua esposa, Kim, e sua filha, Mandy, de 6 anos de idade, não estavam em casa. E o lorde do feudo estava caminhando com um rifle, atirando a esmo nos galhos altos de um castanheiro.
Como você entrou para o The Who?
Primeiro eles se chamavam Detours, depois Who, depois High Numbers, depois Who novamente. Eu entrei na segunda fase, quando eles estavam mudando de Detours para Who. Eu estava em outro grupo ao mesmo tempo chamado Beachcombers.
Esse nome significa que eles tocavam surf music?
Passou a significar quando eu entrei, é. AH-HAHAHA!
Você já surfou?
Uma vez, e quase me matei. Estávamos no Havaí, e eu disse, preciso surfar. Jesus, eu passei anos comprando discos de surf music, sabe, eu tinha que tentar. Então eu aluguei uma prancha e entrei na água com todos aqueles caras. Remei até um ponto bom e de repente apareceu aquela onda enorme. Eu perguntei a um dos caras, "O que que eu faço?" E ele respondeu [Moon começa a falar com um sotaque de americano], "Bem, certo, velho, tudo que você tem que fazer quando ver a onda chegando, ela acerta, cara, ela acerta, e você vai querer viajar relativamente na mesma velocidade, então você rema." Perfeitamente lógico. Eu disse, ótimo. Então aquele muro sólido de água apareceu. De repente aquela maldita coisa me acerta bem no traseiro, e eu passei a nadar de duas milhas por hora para duas centenas! Lá estava eu me segurando nas beiradas da porra da prancha, veja bem, e eu ouço: "Fica em pé, cara!" Ficar em pé? Então eu me levantei e olhei pra cima e tinha água pra tudo que é lado em volta de mim, eu estava num grande funil, uma espécie de tubo gigante de água. Daí eu vi o recife de corais se aproximando. Eu fiquei de pé por apenas alguns segundos, mas pareceu como uma vida inteira aquela porra. Eu caí, a onda bateu no recife, a prancha virou ao contrário e foi jogada no ar pela água. Eu submergi, balancei minha cabeça e relaxei. Quando eu olho pra cima vejo a maldita prancha vindo direto pra minha cabeça. Eu mergulhei e ela ssssshhwwwoooom! Eu tenho uma falha no cabelo até hoje onde aquilo acertou meu crânio. AH-HA-HAHA-HA-ha-ha-ha! Jan e Dean nunca contaram que seria assim. Certamente que não!
Então o Beachcombers era uma banda de surf music, mais ou menos?
Mais ou menos. Baseava-se mais nos vocais do que nos instrumentos. E como eu sou um cantor horrível . . . quer dizer, os caras não me deixavam cantar. Eu não os culpo. Eu às vezes me distraía e entrava na onda, e eles tinham que cair em mim: "Moon . . . fora!" Digo, eu inclusive sou expulso do palco durante "Behind Blue Eyes", só em caso de eu me distrair. É o único número do Who que realmente necessita de harmonias precisas. O resto é tudo: "YEEEAAAAHHHH-Magic-bus!" Nós gritamos. Não tem problema. Então eles me expulsam durante "Blue Eyes" porque ou eu estou tocando e atrapalho os rapazes, ou eu tento cantar e realmente os atrapalho.De qualquer maneira, eu decidi que meu talento como baterista estava sendo desperdiçado em um grupo harmônico fraquinho como o Beachcombers, e a única banda que eu conheci que soava tão barulhenta quanto eu era o Detours. Então quando eu fiquei sabendo que o baterista deles tinha saído, comecei a pensar num plano para me infiltrar no grupo. Eles iam tocar num pub perto da minha casa, o Oldfield. Eu fui até lá, e eles estavam com um baterista de sessão. Eu subi no palco e disse, "Olha, eu posso fazer melhor do que ele". Eles disseram, vai em frente, e eu sentei na bateria do outro cara e toquei uma canção -- "Road Runner". Eu tinha bebido vários drinks pra tomar coragem, e quando eu subi no palco entrei arrrrrggGHHHHHHH na bateria, quebrei o pedal do bumbo e arrebentei duas peles e caí fora. Eu achei que minha chance já era, fiquei com o maior medo. Posteriormente eu estava sentado no bar, e Pete apareceu. Ele falou, "Você . . . chegaí". Eu disse, tão gentil quanto possível: "Sim sim?". E Roger, que era o líder então, perguntou, "O que você vai fazer segunda-feira que vem?". Eu respondi, "Nada". Eu trabalhava durante o dia, vendendo emplastro. Ele disse, "Você vai ter que largar o emprego". E eu, "Tudo bem, eu largo o emprego". Roger disse, "Temos um show na segunda. Se quiser, te buscamos de van". Eu respondi, "Certo". Eles disseram que chegariam às sete. E foi isso. Ninguém jamais disse, "Você está dentro". Eles simplesmente perguntaram, "O que você vai fazer segunda-feira?".
Vocês estavam sendo empresariados por Kit Lambert e Chris Stamp nessa época?
Não, estávamos com um homem que fabricava maçanetas -- jovens, inocentes garotos que éramos. As sugestões daquele homem eram as únicas que tínhamos, exceto as da platéia. Realmente não tínhamos fé em nós mesmos então. Depois, quando começamos a nos firmar, as sugestões dele começaram a parecer ridículas, então decidimos nos livrar dele, e Kit Lambert apareceu para nos ver tocar no Railway 'Otel em 'Arrow. Tivemos um encontro. Não fomos um com a fuça dos outros no começo, pra falar a verdade. Kit e Chris. Eles apareceram juntos. E eles eram . . . são . . . tão incongruentes como uma equipe quanto nós. Você tem Chris de um lado [começa a falar num sotaque ininteligível do oeste de Londres]: "Ah falou, que se dane, só, só, soca ele na cabeça, chuta ele nas bolas e no resto tudo". E Kit dizia [mudando para um tom formal], "Bem, eu não concordo, Chris; o problema é que. . . a coisa toda precisa ser analisada em cada mínimo detalhe". Aquelas pessoas eram perfeitas para nós, porque tinha eu, irrequieto, chapado de bolinhas, chapado de qualquer coisa que eu pudesse botar as mãos . . . e tinha Pete, muito sério, nunca ria, sempre tranqüilo, um maconheiro. Eu estava funcionando numa velocidade dez vezes superior do que Pete. E Kit e Chris eram como o epíteto do que éramos. Quando vocês assinaram com eles, a imagem Mod foi. . .. . . forçada em nós. Era muito desonesta. A coisa mod foi idéia do Kit. Fomos todos mandados para um cabeleireiro, Robert James, um rapaz absolutamente simpático. Depois fomos mandados para Carnaby Street com mais dinheiro no bolso do que havíamos visto em nossas vidas, tipo umas cem libras. Essa era a Londres do agito. A maioria de nosso público era mod, chapado de bolinha como nós, veja você. Não estávamos nessa de roupas; nosso negócio era música. Kit achou que deveríamos nos identificar mais com nosso público. Casacos ajustados cinco polegadas nas laterais. Quatro não era o bastante. Seis era demais. Cinco era perfeito. As calças ficavam três polegadas abaixo da cintura. Era nosso uniforme.
Seu lema na época era "maximum R&B". O que isso queria dizer?
Tocávamos bastante Bo Diddley, Chuck Berry, Elmore James, B.B. King, e eles eram R&B ao máximo. Não havia definição melhor. A maioria das canções que tocávamos eram deles. Pete só entrou em sua veia de compositor depois de "Can't Explain". Obviamente qualquer canção que tocávamos ficava diferente, não tentávamos copiar direto do disco. A gente a "Whozava", então o resultado era obra do Who, não uma cópia.
Como "Summertime Blues".
Exatamente. Esta é uma música que foi "Whozada".
Como surgiu o efeito de gagueira em "My Generation"?
Pete escreveu a letra e a entregou para Roger no estúdio. Ele não havia lido antes, não estava familiarizado com os versos, então quando ele leu aquilo pela primeira vez, gaguejou. Kit estava nos produzindo na época, e quando Roger gaguejou, Kit disse, "Vamos manter assim; mantenha o gaguejar". Quando percebemos o que havia acontecido, isso nos embasbacou por completo. E aconteceu simplesmente porque Roger não conseguia ler os versos.
A primeira turnê norte-americana. Você se lembra dela com ternura?
Pra mim foi uma turnê de descobertas. Foram três meses com o 'Erman's 'Ermits. Abrir para o 'Ermits era perfeito. Era uma posição vantajosa para nós. Não estávamos na linha de frente. Se o lugar vendesse apenas uma porção mínima do que poderia ter vendido, a culpa nunca era nossa, era do 'Erman 'Ermits. Não tínhamos essa responsabilidade. Tivemos tempo para descobrir. Encontramos as melhores cidades.
E quais eram?
Para o Who eram Nova York, Chicago, Detroit, Los Angeles, São Francisco e Cleveland. Elas tinham o melhor público para nós.
Foi nessa turnê que aconteceu sua infame festa de aniversário?
Sim. Foi assim que eu perdi meu dente da frente. Em Flint, Michigan. Tínhamos um show naquela noite. Estávamos todos em volta da piscina do 'Oliday Inn, eu e os 'Erman 'Ermits. Eu estava fazendo vinte e um anos, e eles começaram e me dar presentes. Alguém me deu um bar portátil e outro, a bebida portátil. Eu comecei a beber lá pelas dez da manhã, e não me lembro do show. Depois a gravadora reservou um quarto enorme no hotel, uma das salas de conferência, para uma festa. Com o passar do tempo aquilo foi ficando mais e mais barulhento, todo mundo começou a ficar fora de si, digamos, alucinados. A piscina era o alvo óbvio. Todo mundo começou a pular de roupa e tudo na piscina. A Premier havia me dado um bolo de aniversário gigantesco, montado como se fosse umas cinco caixas de bateria, uma em cima da outra. Quando a festa começou a se degenerar numa orgia, eu peguei o bolo, as cinco camadas, e joguei pra tudo quanto é lado. O povo começou a pegar os pedaços e a arremessar uns nos outros. Todo mundo ficou coberto de marshmallow e bolo de fruta. O gerente ouviu a bagunça e apareceu. Lá estava seu imenso tapete irrevogavelmente manchado de cobertura de bolo pisado, e todo mundo dançando em cima dele com as calças de fora. Na hora em que o xerife chegou eu estava lá parado de cuecas. Eu corri, pulei no primeiro carro que apareceu na minha frente, um Lincoln Continental novo em folha. Ele estava estacionado numa subidinha, e quando eu soltei o freio de mão aquilo começou a descer, arrebentou uma cerca e caiu direto na piscina do 'Oliday Inn, comigo dentro. AH-HA-HA-HA-HA!Então lá estava eu, sentado no banco do motorista de um Lincoln Continental submerso. E a água começou a entrar pelos malditos buracos dos pedais no chão, sabe, se infiltrando pelas janelas. Em um momento brilhante de lógica eu pensei, "Bem, eu não posso abrir as portas até que a pressão se iguale". É incrível como eu fui me lembrar daquelas coisas da aula de física! Eu sabia que tinha que esperar até que a pressão fosse a mesma. E lá estava eu, pensando na minha situação, enquanto a água começava a entrar no meu nariz. Hoje em dia eu consigo pensar em maneiras menos ultrajantes de bater as botas do que me afogar num Lincoln Continental na piscina do 'Oliday Inn, mas na época eu não pensava em hipótese alguma em morrer. Não teve nada daquilo da vida-inteira-passando-diante-dos-meus-olhos-em-um-flash. Eu estava ocupado planejando. Eu sabia que, se eu entrasse em pânico, já era. Então quando só tinha ar o bastante no topo do carro pra um fôlego, eu enchi meus pulmões, escancarei a porta e nadei até o topo da piscina. Eu imaginei que uma multidão razoável já teria se reunido ali. Afinal de contas, eu estava debaixo d'água fazia algum tempo. Eu imaginei que eles estariam tão felizes por eu estar vivo que me perdoariam pelo Lincoln Continental. Mas não. Só tinha uma pessoa parada ali e era o limpador de piscina, ele tinha acabado de limpar aquilo de manhã e estava furioso.Então eu voltei pra festa, todo respingando, ainda de cueca. A primeira pessoa que eu vejo é o xerife, ele e sua arma na mão. Sem essa! Eu saí correndo, e quando estava quase chegando na porta, escorreguei num pedaço de bolo e caí de cara no chão e perdi meu dente. Ah-ha-ha HA-HA-HAHAHA!Eu passei o resto da noite sob custódia do xerife no dentista. O dentista não podia me dar nenhum anestésico porque eu já estava muito louco. Então ele teve que arrancar o que sobrou do dente e botar um falso no lugar, e no dia seguinte eu passei algumas horas no xadrez. Os rapazes me fretaram um avião porque tiveram que ir embora num vôo mais cedo. O xerife me levou na viatura, me botou no avião e disse, [sotaque americano], "Filho, nunca mais apareça em Flint, Michigan, novamente". Eu respondi, "Meu caro, eu nem sonharia com isso", enquanto sibilava entre meu dente novo. AH-HAHA HAHAHA!Nessa hora que eu soube quão destrutivos fomos. Durante a festa alguém pegou todos os extintores e os esvaziou em cima dos carros no estacionamento. Seis deles tiveram que ganhar pintura nova; a tinta derreteu toda. Também destruímos um piano. O destruímos completamente. Reduzido a lenha. E não se esqueça do tapete. E o Lincoln Continental na piscina. No final eu recebi uma conta de US$ 24,000. AH-HAHAHAHA! Eu não estava ganhando nem metade disso na turnê, e gastei tudo indo pra Flint, Michigan. Fiquei endividado até as sobrancelhas depois dessa. Felizmente, os 'Erman's 'Ermits e os rapazes dividiram tudo; umas 30 pessoas deram cem dólares cada. Foi como uma cerimônia religiosa quando todos vieram e depositaram cem dólares num chapelão, e mandamos aquilo para o 'Oliday Inn com um cartãozinho de saudações escrito "BOLAS" em volta dele -- e as palavras "Nos vemos em breve". Ah-ha-ha-HA-HA Ha ho-HAHAHA!
Você não pode ter destruído tantos quartos de hotel quanto dizem.
Quer apostar? Houve uma época em que. . . Muitas. É. Eu fico entediado, veja você. Teve uma vez em Saskatoon, no Canadá. Era outro 'Oliday Inn, e eu estava entediado. Agora, quando eu fico assim, eu me revolto. Eu digo, "QUE SE DANE, QUE SE DANE TUDO ISSO!". E saco minha machadinha e deixo o quarto em pedaços. A televisão. As cadeiras. A penteadeira. As portas. A cama. E tudo o mais. Ah-ha-ha-HAHAHAHAHAHAHAHAHA HAHAHA! Acontece o tempo todo.
Eu sempre ouvi dizer que quem deu início a destruição no palco foi Pete, mas você faz parecer que foi idéia sua. Foi?
Reza a lenda que Pete bateu o braço da guitarra no teto quando ele pulou muito alto, mas não foi isso. Acontecia quando alguém ficava puto com o show, com a maneira como as coisas estavam indo. Quando Pete destruía sua guitarra era porque ele estava puto. Quando eu destruía minha bateria, era porque eu estava puto. Ficávamos frustrados. Você está lá se esforçando o máximo possível pra continuar com a porra da música, pra pegar a platéia pelas bolas, pra transformar aquilo num acontecimento. Quando você faz tudo aquilo, quando você se mata e dá ao público tudo que é possível, e eles não dão nada de volta, é aí que a porra do instrumento vai embora, porque: "Seus desgraçados de merda! Estamos aqui nos matando! E vocês não dão nada de volta!".Essa é uma razão de os instrumentos serem destruídos. Outra é quando um membro do grupo está chapado demais pra dar seu melhor. Nessas horas ele está deixando os outros três na mão. Em muitos casos sou eu, por beber demais. Sabe como é, exagerando na hora errada. Então Pete ou Roger ou John diz, "Seu babaca! Você deixou a gente na mão, porra! Miserável, se quer chapar, por que não espera até depois do show!?".
Mas todas as vezes que você destruía seu kit de bateria, ou Pete arrebentava sua guitarra, era movido pela raiva?
Nem sempre. Era algo esperado -- como uma canção, um hit número um. Uma vez que você tenha feito aquilo, se compromete com aquilo. Você tem que tocar. Porque há certas pessoas na platéia que comparecem só para ouvir aquela música em particular. Cada parte da apresentação funciona para uma parcela do público, e a apresentação como um todo tem que funcionar para a platéia inteira.
Isso não saía caro demais?
Caro pra cacete. Estávamos destruindo provavelmente dez vezes, senão mais, do que ganhávamos. Temos feito sucesso há dez anos, mas só lucramos nos últimos três. Levamos cinco anos para pagar três anos, nosso período mais destrutivo. Tivemos que pagar por tudo aquilo depois. Músicos são célebres por não pagarem suas contas. E não éramos exceção. Adiamos aquilo tanto quanto possível. Mas quando as sentenças começaram a chegar, as intimações, as ações, os confiscos de equipamento, então tivemos que pagar. E pagamos por cinco anos.
E então abandonaram a rotina de destruição?
Abandonamos como uma rotina teatral. Ainda destruímos nosso equipamento ocasionalmente, mas não de propósito. Cometemos um dos pecados capitais: acabamos deixando a atuação tomar o lugar da música. Não se pode deixar isso acontecer. A música deve vir primeiro. Então nós olhamos pra trás e dissemos, "Bom, essa porra tem que parar, não podemos ter isso em todos os shows . . .". Porque estava ficando repetitivo demais. A espontaneidade se fora.
Já houve brigas sobre quem seria o melhor porta-voz para o grupo?
Só no começo. Durante uma época Roger foi o porta-voz do grupo. Agora a maioria diz que é o Pete. Acontece que, não tem importância . . . quem diz o quê. Já demos importância demais pra isso de porta-voz e quem seria esse porta-voz. Não mais. Quem quer que seja, é só um representante da organização, e uma boca é tão boa quanto a outra.Vocês parecem bastante receptivos com a imprensa.Nós fazemos qualquer negócio. AH-HAHAHAHAHAHA! Algumas pessoas dizem que eu faço qualquer coisa pela imprensa, é verdade . . . que eu apareço demais. Eu só quero me divertir.
Em algum momento . . .
Teve uma vez que Keith Altham e Chris Williams, que cuidam da nossa divulgação, me ligaram e disseram que estariam em seu escritório às três horas para uma entrevista. Bem, você sabe, os pubs fecham às três, então eu acabei me atrasando um pouco. Eu voltei pra minha sala na Track [Records, a gravadora do grupo] e só aí me lembrei: tinha esquecido da entrevista. Então, uhhhh: Oh, Cristo, eles vão ficar putos. Bem em frente tinha uma farmácia, então eu mandei Dougal, meu motorista, ir lá comprar uns rolos de gaze e esparadrapo, enrolei aquilo tudo na perna e no braço e arrumei uma muleta. E lá fui eu para a entrevista. "Desculpem o atraso, mas só agora o hospital me liberou".Eu havia ligado mais cedo e contado a eles que tinha sido atropelado por um ônibus na Oxford Street. Eles não acharam isso muito fora-do-comum. Eu acho que eles assumiram a atitude de que qualquer coisa é valida com Moon, veja só. Então eu entrei no escritório . . . arrastei-me pra dentro, na verdade, e eles perguntaram, "Como isso foi acontecer?". Eu respondi, "Eu estava atravessando a Oxford Street e um número oito de Shepherd's Bush me acertou no traseiro e me arremessou direto pra Oxford Circus". Então Keith e Chris resolveram cancelar a entrevista. Eu disse que não, e eles fizeram a gentileza de me carregar pelos quatro lances de escada até a rua. Eles pensaram que eu tinha subido tudo aquilo por conta própria, na minha muleta, entende.Então eles me carregaram escada abaixo e estávamos andando, e eu lá capengando pela rua novamente, e um desgraçado de um caminhão aparece bem na hora que eu estou atravessando e começa a buzinar na minha cara. Eu disse, "Agüenta aí, colega. Eu não consigo ir mais rápido com essas pernas", e Keith vai até o motorista: "Seu bastardo desalmado, não vê que este homem está ferido! Você não tem coração, não tem alma, seu bastardo! Tentando atropelar um aleijado!".Nós começamos a entrevista e no meio, depois de uns quatro drinks, eu arranquei os curativos, pulei na cadeira e comecei a dançar. Ah-HAHAHAHAH-ha-haHAHA! HAHA!
Você já se machucou em alguma de suas brincadeiras? Além de perder o dente da frente?
Eu quebrei a clavícula uma vez. Foi no meu hotel, um hotel que eu tinha, no Natal. Eu desmaiei na frente da fogueira às quatro da madrugada e uns amigos decidiram me levar pra cama, e eles estavam tão ruins quanto eu, mas ainda conseguiam ficar de pé. Ou quase. Um deles segurou minha cabeça, outro os pés, e eles tentaram me carregar pelas escadas. Eles subiram comigo por dois lances e então me largaram, os dois, quebrando minha clavícula, entende. Mas eu só fui ficar sabendo quando acordei no dia seguinte e tentei vestir a porra da camisa. Eu desabei direto na merda do chão.Acontece que . . . eu deveria gravar um programa de TV, o especial de ano-novo do Top of the Pops, e dois dias antes eu estava com meu braço todo enfaixado e não poderia tocar. Eu fui até meu médico, querido Doutor Robert, e ele me deu uma injeção no dia da apresentação para que eu não sentisse nada. Eu coloquei uma blusa por cima do gesso, grudei a baqueta na mão com fita adesiva, sentei por trás do kit e pedi para o Sr. Vivian Stanshall amarrar uma corda no meu pulso. Nós então jogamos a corda em volta do apoio das lâmpadas lá em cima, e ficamos de olho no monitor; sempre que a câmera me focalizava, eu dava o sinal pra Viv, e ele puxava a corda, fazendo com que meu braço direito se erguesse e caísse nos pratos. AH ah ah ah HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!Essas situações burlescas . . . eu estou sempre ligado a elas. Sempre acontecem como se pudessem ter sido parte de um quadro do Gordo e o Magro. E sempre acontecem comigo. AAAAHhhhhh-HAHAHA-HO-HAHA ha! Eu acho que eu espero inconscientemente que elas aconteçam, e elas acontecem.
Essa é a imagem que você tem de si mesmo?
Suponho que para a maioria das pessoas eu sou provavelmente visto como um idiota amigável . . . um brincalhão genial. Acho que eu devo ser uma vítima das circunstâncias, na verdade. Na maioria das vezes é culpa minha. Eu sou uma vítima de minhas próprias piadas colocadas em prática. Suponho que isso reflita uma atitude um pouco egoísta: eu gosto de ser o protagonista de meus próprios feitos. De nove entre dez vezes, eu acabo sendo. Eu preparo armadilhas e caio nelas. Oh-ha-ha-ha. HA-HA- HA-HA-HA! Obviamente, o maior perigo é se tornar uma paródia.
Sua esposa, Kim, deve ser extraordinariamente simpática e paciente.
Ela é.
Ela meio que leva isso numa boa. Como você a conheceu?
Eh-eh-eheeeee-eh-eh-eh. Ah-HA-HA-HA-HAHA-HA-HA! Eu a conheci em Bournemouth quando estava fazendo um show. Ela tinha dezesseis, e freqüentava o club onde tocávamos, o Disc. Um tempo depois quando eu desci para vê-la, eu estava no trem e Rod Stewart subiu a bordo. Isso foi a uns dez anos. Começamos a conversar, e fomos para o vagão-bar. Ele era Rod "The Mod" Stewart naquela época gloriosa, e estava trabalhando com Long John Baldry. Ele estava tocando em muitas discotecas pequenas e pubs, fazendo o mesmo tipo de trabalho que nós. Eu perguntei a Rod, "Pra onde você está indo?". Ele respondeu, "Bornemouth". "Eu também", falei. "Estou indo visitar minha garota". Ele retrucou, "Eu também". Então eu mostrei a Rod uma foto da Kim e ele disse, "É ... é essa mesmo". HAHAHAHAHAHAHA!
O que aconteceu?
Eu não me lembro. Estávamos no vagão de bebidas, e ambos ficamos paralizados. Eu só me lembro da viagem de volta. Oh-hee-HA-HA-HAHA!
Por que sua sogra veio morar com vocês?
Ela é minha governanta. E uma ótima cozinheira. Veja você, eu fui um seqüestrador. Raptei sua filha aos 16, direto do convento, e ela ainda não havia aprendido a cozinhar, então eu disse, "Traga sua mãe pra cá". Ela está morando conosco há quase um ano. Ela não é aquela espécie comum de sogra. Na minha casa não há espécie comum de coisa alguma.
Você tem algum baterista "favorito"?
Não muitos. D.J. Fontana é um deles. Vamos ver . . . os bateristas que eu respeito são Eric Delaney e Bob Henrit e . . . eu tenho uma lista enorme, na verdade, e cada um nela é por razões diferentes. Tecnicamente, Joe Morello é perfeito. Na verdade eu não tenho um baterista favorito. Eu tenho trechos de bateria favoritos, é isso. Eu nunca pegaria um LP de um baterista e diria que adoro tudo que ele faz, porque não seria verdade.
Como você começou a tocar bateria?
Jesus Cristo, acho que eu ganhei uma de brinde no pacote de cereal. Ah-Ha-HA-HA-HA-HA-HAHA! Mas não. . . solos de bateria são chatos pra cacete. Qualquer tipo de solo é. Isso tira a identidade do grupo.
Quanto das canções são um esforço grupal?
O que você muda nas demos na hora de gravar?Não muito. Porque Pete sabe. Quando Pete faz algo, aquilo soa como o Who. As partes da bateria são minhas partes, mesmo se é Pete tocando bateria. Ele toca no mesmo estilo que eu. Ele faz meus floreios. O mesmo para as partes do baixo, e a guitarra, é claro, é dele. Só os vocais mudam um pouco.
Muitas canções são rejeitadas?
Não. Ele obviamente compõe muito mais . . . quer dizer, não são todas as canções que ele escreve que se encaixam no Who. Quando ele tem uma idéia que ele acha ser boa para o grupo, ele traz aquilo e nós tentamos. E ele não costuma estar errado.
Vocês ensaiam muito?
Estamos sempre preparados meticulosamente para os shows. Mas ensaiávamos muito mais antes do que agora. Agora alcançamos um ápice na banda . . . bem, alcançamos isso já faz tempo . . . então hoje Pete toca pra gente um número, ou ouvimos um número, e podemos tirá-lo quase sempre, senão da primeira vez, na segunda ou na terceira, e na quarta ou quinta aquilo começa a tomar forma. Nos velhos tempos ainda estávamos construindo o grupo, ainda desenvolvendo nosso relacionamento.

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